Tiro no escuro

Nuno pode dar certo. Nuno pode dar merda. Só não dá pro Tottenham dizer que foi Nuno foi planejado.

O Tottenham rodou mais do que peão até fechar com um treinador. Não sabemos ao certo se o clube de fato esteve próximo ou abriu negociação com os nomes que foram amplamente divulgados na imprensa internacional, mas o fato é que foram 72 dias sem técnico e tudo isso em um clube que se diz em tentativa de reconstrução. Perdeu-se uma oportunidade de ouro de começar a pré-temporada antes mesmo de seu início oficial, que foi nesta semana. Com um treinador acertado, seria possível se antecipar em negociações enquanto os olhos do mundo -e do mercado- estão voltados para a Eurocopa.

Ok, chegou-se a Nuno Espírito Santo, nome que nem acho ruim e posso até achar ótimo quando penso que poderia ser Gennaro Gattuso, oficializando que o clube quer um capacho de Jorge Mendes em Hotspur Way. E não é para o empresário mandar os bons jogadores. Risos.

Nuno não é um nome ruim. Em algum momento entre derrocada e queda de Pochettino, era dele um dos nomes que mais me chamava atenção para continuidade no projeto que existia dentro do clube até aquele momento. A última temporada meio tenebrosa do Wolves não pode apagar os 5 ótimos anos do projeto que conduziu, ainda que com algumas interrogações sobre ser uma filial da Liga NOS — e de Jorge Mendes.

Apesar de Nuno estar longe de ser uma escolha ruim, a maneira como as coisas aconteceram indicam o caos existente dentro do clube — atirando para todo lado e ainda atordoado após abraçar um projeto All Or Nothing, que deu em Nothing, com José Mourinho. Àquela altura, ficou claro que Daniel Levy pensou muito mais em satisfazer o ego e trazer os holofotes por ‘uau, o Tottenham levou Mourinho’ do que necessariamente pensar no clube. Todo o mundo sabe que Mourinho não é sinônimo de projeto, ainda mais essa versão Low Cost do gajo, que não ganha, não encanta e implode ambientes.

Outro ponto que deixa explícito que o Tottenham está vivendo em uma realidade paralela é a insistência institucional em bater na palavra DNA. É DNA aquilo, DNA isso, DNA aqui, DNA acolá. Mas que diabo de DNA é esse? E, como bem pontuou o jornalista Alasdair Gold, pra que diacho um clube que não ganha praticamente nada há 30 anos quer insistindo em seu próprio DNA?

O Tottenham precisa de reconstrução e seus próprios gestores continuam fechando os olhos pra isso insistindo em uma série de peças que já saturaram dentro do clube e fazendo de conta que magicamente vão ressuscitar. Alô, Dele Alli, Dier e, sim, Ndombele. Na Premier League, fenômenos de renascimento como o de Luke Shaw são coisa de um em um milhão. E o Tottenham não é dos clubes que costuma ganhar na loteria por lá. Na verdade, não costuma ganhar absolutamente nada que não seja fumo.

Em sua entrevistas, Daniel Levy falava de jogar um “futebol ofensivo e divertido”, abraçando jovens e tentando “construir algo especial”. Com exceção de Pochettino, nenhum dos nomes ventilados buscou esse tipo de futebol. Antonio Conte, Paulo Fonseca, Gattuso, Lopetegui e o próprio Nuno são treinadores que tentam verticalizar o jogo ao máximo que pode. Não que joguem por uma bola, mas não são aqueles tipos de treinadores que vão fazer pressão lá no campo de ataque e tentar massacrar o adversário. E, bem, melhor excluir Gattuso disso aí porque ninguém sabe exatamente o que é que ele faz.

É bem verdade que quando Pochettino chegou há pouco menos de 7 anos, não houve unanimidade ou sequer unidade em relação ao nome e no final das contas o argentino conseguiu marcar seu nome como o maior técnico do clube neste século. Por isso digo e repito: não acho que Nuno foi uma escolha errada, muito pelo contrário, mas que foi um tiro no escuro ao menos para a direção do clube foi. Isso foi. Pode dar certo, pode não dar.

PS: Nascido em São Tomé e Príncipe, Nuno é o primeiro negro e primeiro africano a treinar o Tottenham. Isso é algo do caralho. Eu torço muito para que dê certo e não imagino que seja algo tão trágico quanto Mourinho. Espero que ele receba material pra que as coisas caminhem bem. Imagina que lindo seria? O clube que profissionalizou o primeiro negro, que colocou o primeiro negro para erguer troféu em Wembley também ter um ídolo negro enquanto treinador? Tomara que role.

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